quarta-feira, 24 de julho de 2013

Se o desenho não é a forma de que forma devo ensinar?

                  Lasar Segall
         Desenhar é mais do que representar alguma coisa tal e qual ela se mostra visualmente. Ao infligir seu traço, quem desenha também marca uma maneira pessoal de ver as coisas, uma maneira pessoal de “tratar” as formas e mais do que uma representação exata do que está vendo, impõe nestas formas, o seu olhar e entendimento sobre aquilo que está representando.
        Diante destas constatações há de se convir que de nada adiantaria formar inúmeros alunos desenhando exatamente da mesma maneira porque desenhos perfeitos que seguem procedimentos específicos e regras de perspectiva podem ser muito úteis e impressionar alguns, mas não carregam a originalidade do olhar pessoal, que é intrínseco e revelador de uma rede de inúmeras relações interpretativas.
         Desta maneira o ensino do desenho não pode se reduzir ao ensino de técnicas de como se registra as formas, é necessário que se estimule o olhar, o observar, o pensar sobre as formas e o trabalho precisa ser conduzido de modo que os alunos consigam desenvolver um jeito de registrar essa maneira pessoal de ver e entender as imagens que os cercam.
      O professor que acredita que ensinar é muito mais do que transmissão de conhecimento e que em um ambiente de ensino a preocupação deve ser com a formação integral do educando de maneira que os objetivos explicitados em suas ações didáticas busquem contribuir com a formação de um cidadão consciente da realidade que seja capaz de interpretar informações e refletir acerca delas, pode e deve fazer que também as aulas de desenho tenham consonância com a possibilidade de expressão destas ideias.



Referências bibliográficas: 
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
VALÉRY, Paul. Degas dança desenho. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.

O que é arte?

Ao lermos um livro com o título “O que é arte?” pode-se apressadamente supor que encontraremos uma fácil e esclarecedora explicação que supra nossos anseios de poder determinar o que afinal significa arte. Doce ilusão logo é transformada em dura realidade de perceber, logo folheando as primeiras páginas que a resposta não é dada assim, facilmente e mais do que isso, percebe-se, ao final, de que há inúmeras possibilidades de respostas e infindáveis relações que não se esgotam nas explicações do autor. O autor cita obras célebres que são incontestavelmente nomeadas obras de arte e que provocam admiração e conflita com outras que também ocupam o cargo de serem obras de arte como “O urinol” de Duchamp e que ao contrário de ocasionarem admiração, causam estranhamento. Diante deste estranhamento tudo que até então se consolidou como arte precisa ser repensado para tentar dar conta dessas outras produções/manifestações produzidas e em determinado momento aceitas como arte.
Se esse estranhamento provoca uma reelaboração dos critérios que são utilizados para determinar a arte, propicia também a percepção de que por trás destas reelaborações de conceitos está as incessantes mudanças de discursos que se transformam de acordo com o tempo em que se está inserido.
Visto isso, como determinar o que tem valor artístico? E para essa nova pergunta outras tantas relações e repostas podem ser elencadas e o que podemos afirmar é que quando se modifica o conceito é porque se modificou o foco e se o foco foi alterado é porque mudou o tempo, o lugar ou ainda: o ponto de vista.
Se de acordo com o livro podemos afirmar que os “tempos” e “lugares” possuem seus critérios específicos para qualificar a excelência de alguma obra, também se faz necessário salientar que é comumente que estes julgamentos advindos da crítica de arte dignifiquem alguns em detrimento de outros e tenham como base não só as relações com outras obras já “consagradas”, mas também questões de afinidade pessoal por parte de quem discorre uma crítica e, portanto expõe o relativismo de uma hierarquia no campo das artes.

As abordagens de Jorge Coli advindas da tentativa de formular esclarecimentos e reflexões acerca da arte nos faz afirmar que mesmo que se tente dar a arte um estudo científico e por mais que se pretenda elencar formulações para que se possa analisá-la, fazê-la ou entendê-la, sempre haverá novas hipóteses, relações e manifestações que fugirão à regra. E é sob o prisma destas relações que podemos considerar a arte tão complexa quanto é a complexidade do mundo e afirmar que nunca será suficiente analisa-la de acordo com um específico aspecto porque sua abrangência inevitavelmente vai além da ótica da razão.



Referência bibliográfica: COLI, Jorge. O que é arte. São Paulo: Brasiliense, 1995. 131p.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

EXPOSIÇÃO FORTUNA DE WILLIAM KENTRIDGE


     
  Certo dia, indo à Fundação Iberê Camargo para visitar a exposição “Fortuna” de William Kentridge comecei a ver a paisagem ao redor com o olhar mais observador e no momento em que se começa a fazer isso é como se fosse inevitável não começar a tentar poetizar sobre alguma coisa, sensação ou impressão, o engraçado é que surgem algumas ideias poéticas que naquele momento parecem ser interessantíssimas e que na hora eu penso que são ideias que devo futuramente elaborar melhor e no intuito de tentar registrar isso para, quem sabe, posteriormente rebuscar aquelas ideias, me deparo com fotografias que não se assemelham em nada com aquela atmosfera inspiradora e propícia para a reflexão. A constatação deste fato me faz afirmar que não há registro existente que consiga substituir toda a intensidade e complexidade de uma fração do existir de um determinado momento, em um determinado lugar. Tudo o que se fizer, ou disser, serão apenas tentativas de mostrar ou tentar fazer alguém ter alguma ideia de algo que está acontecendo no agora daquele tempo/espaço e que jamais será novamente porque o depois é constituído por um outro e novo agora com outras e novas coisas/ relações/ interferências. Sendo então, tudo que já foi é impossível ser novamente. Se não há registro que dê conta de toda abrangência de algo, o jeito é estar. Ou seja, viver. E este não é um viver que se assemelha ao viver da ida ao trabalho, da corrida até o supermercado, do horário marcado para a consulta médica, etc. Falo de um específico viver que pode fazer brotar inúmeras e efervescentes correlações, o viver de um momento qualquer, mas que transcende em poética e subjetividade, que tem o alcance de abarcar um observar mais minucioso e a contemplação.
A alusão a este estado de contemplação se deve ao fato de que percebi assim estar mesmo antes de entrar na Fundação Iberê Camargo para a exposição “Fortuna” de William Kentridge e isso me faz concluir que no momento em que a gente se propõe a visitar uma exposição, já acionamos um “dispositivo” que nos “diz” para funcionarmos no modo apreciativo e, por conseguinte reflexivo. Acredito que todos deveriam manter a predisposição de permitir que nos momentos de contato com a arte este estado propício contemplativo pudesse vigorar plenamente sem ser suprimido, ou mais do que isso, as pessoas deveriam se permitir e deixar que esse estado artístico imbuísse de arte as coisas cotidianas também, como diz uma frase atribuída a Mahatma Gandhi: A arte da vida consiste em fazer da vida uma obra de arte.” E com isso quem sabe poderíamos ter na sociedade menos pessoas doentes e dementes que conseguem encontrar um meio de dar uma desacelerada nesta correria desenfreada de uma sociedade neoliberal. Pode parecer um pouco piegas ou um apelo de pretensão salvacionista, mas acredito que esta é uma atitude que poderia servir como um oásis onde cada um encontra o que necessita para suprir as lacunas da sua sobrevivência e dar completude à sua existência.
Esta reflexão inicial obviamente não tem como respaldo apenas o período que se antecedeu à visitação, pois a exposição como um todo, contribuiu para que eu pudesse discorrer sobre as afirmações que tentei elucidar acima.
Envolvendo-me na exposição percebi que o que de mais magnífico existia ali era que William Kentridge compartilha parte de sua história, seus interesses, sua visão de mundo e, portanto, suas completudes ou quem sabe incompletudes.
Ao passar por entre as obras de William Kentridge, mergulhei em um cenário que me dava constantes pistas de quem era o artista. Posso dizer que ele foi se desvelando e comunicando diversos pensamentos que por vezes podia me sentir como se estivesse em seu ateliê e assim tendo contato com o processo de suas obras. Algumas dessas obras se mostravam abertas, deixavam transparecer o seu processo de feitura, como se estivessem exibindo-se com sua complexa simplicidade para o público. É como se o artista estivesse revelando que sua opção foi abrir mão de uma aura de mistério e de um status de inalcançável para desmistificar a obra e assim humanizá-la. Mesmo ao demonstrar essa humanidade, as obras, em nenhum momento deixaram de carregar genialidade e proporcionar admiração.
Todas as obras da exposição me pareceram narrativas porque pareciam sempre comunicar alguma coisa. Como se o artista escrevesse seu livro com obras de arte. E não é isso a arte? “Escrever” a vida e revelar um pedaço de sua existência? Porém, esta narrativa não é linear e nem cronológica e o narrador não é necessariamente um personagem, foi o que senti ao ver na exposição aparelhos como o fenacistoscópio, instrumentos como alicates e tesouras, materiais como gravetos e fechaduras, suportes como jornais ou livros que podem incitar por si só, diversas histórias por carregarem uma “bagagem” de acontecimentos, trajetórias e memórias.
A obra que me chamou mais atenção foi “Wat Will Come (Has Already Come)” que significa: “O que virá (já veio)” que é um vídeo feito a partir de desenhos e que é projetado em uma mesa com um espelho cilíndrico de aço. Os desenhos são projetados distorcidos para que possam se tornar visualmente normais no espelho curvo. Diante disso o artista escreve que “a distorção é o correto, e o original é o distorcido” e nos instiga a pensar sobre as tantas distorções que somos submetidos e que são consolidadas diante de nosso olhar e que muitas vezes nos levam a acreditar em realidades que na verdade não passam de reflexos de determinada distorção. Quantas vezes precisamos nos distorcer para não deixar transparecer algo que desagrada? Ou quantas vezes ainda precisaremos parecer endireitados para poder ser aceitável aquilo que originalmente pode ser naturalmente distorcido?
     Considero esta obra como a mais interessante porque além de uma tendência pessoal minha de valorizar quando uma obra dá margem para que possamos tramar diversas e quem sabe conflitantes reflexões e interpretações também destaco o caráter sensorial deste trabalho porque sem que eu estivesse ali, vivendo aquele momento frente àquela obra e plenamente envolvida naquele ambiente seria impossível que eu tivesse conhecimento de sua totalidade. Acredito ser esta a grande importância de espaços destinados à arte: O encontro com essas possibilidades.